sexta-feira, novembro 29, 2002

Como pode alguém conseguir reparar e fazer sarcasmo em relação a algo tão bom e prazeroso como passar o dia na praia tomando um suquinho, pegando um solzinho - para perder quele "ar de doente" que se ganha ficando muito tempo na cidade grande -, observando as pessoas que estão passeando, se divertindo com a família, amigos ou namorado(a)?
Pois é, o Luis Fernando Veríssimo conseguiu.
Saiu um texto bem humorado por sinal.

Chegou o verão!

E com ele também chegam os pedágios, os congestionamentos na estrada, os bichos
geográficos no pé e a empregada cobrando hora-extra.

Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura e muita
gordura, pouco trabalho e muita micose. Verão é picolé de Ki-suco no palito
reciclado, é milho cozido na água da torneira, é coco verde aberto pra comer a
gosminha branca.

Verão é prisão de ventre de uma semana e pé inchado que não entra no tênis. Mas
o principal, o ponto alto do verão é... a praia!! Ah, como é bela a praia! Os
cachorros fazem cocô e as crianças pegam pra fazer coleção. Os casais jogam
frescobol e acertam a bolinha na cabeça das velhinhas. Os jovens de jet ski
atropelam os surfistas, que por sua vez, miram a prancha pra abrir a cabeça dos
banhistas.

O verão é Brasil, é selva, é carnaval, é tribo de índio canibal. Todo mundo nu
de pele vermelha. As mulheres de tanga, os homens de calção tão justo que dá até
pra ver o veneno da flecha, e todo mundo se comendo cru.

O melhor programa pra quem vai à praia é chegar bem cedo, antes do sorveteiro,
quando o sol ainda está fraco e as famílias estão chegando.
Muito bonito ver aquelas pessoas carregando vinte cadeiras, três geladeiras de
isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa, toalha, bola, balde, chapéu
e prancha, acreditando que estão de férias.
Em menos de cinqüenta minutos, todos já estão instalados, besuntados e prontos
pra enterrar a avó na areia.

E as crianças? Ah, que gracinha! Os bebês chorando de desidratação, as crianças
pequenas se socando por uma conchinha do mar, os adolescentes ouvindo walkman
enquanto dormem.

As mulheres também têm muita diversão na praia, como buscar o filho afogado e
caminhar vinte quilômetros pra encontrar o outro pé do chinelo.

Já os homens ficam com as tarefas mais chatas, como perfurar um poço pra fincar
o cabo do guarda-sol. É mais fácil achar petróleo do que conseguir fazer o
guarda-sol ficar em pé. Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da
felicidade, da maravilha que é entrar no mar! Aquela água tão cristalina, que dá
pra ver os cardumes de latinhas de cerveja no fundo. Aquela sensação de boiar na
salmoura como um pepino em conserva.

Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita cheia de
areia, vem aquela vontade de fritar na chapa. A gente abre a esteira velha, com
cheiro de velório de bode, bota o chapéu, os óculos escuros puxa um ronco
bacaninha. Isso é paz, isso é amor, isso é o absurdo do calor. Mas, claro, tudo
tem seu lado bom. E à noite o sol vai embora. Todo mundo volta pra casa tostado
e vermelho como mortadela, toma banho e deixa o sabonete cheio de areia pro
próximo. O xampu acaba e a gente acaba lavando a cabeça com qualquer coisa,
desde o creme de barbear até desinfetante de privada. As toalhas, com aquele
cheirinho de mofo que só a casa de praia oferece. Aí, uma bela macarronada pra
entupir o bucho e uma dormidinha na rede pra adquirir um bom torcicolo e ralar
as costas queimadas.

O dia termina com uma boa rodada de tranca e uma briga em família. Todo mundo
vai dormir bêbado e emburrado, babando na fronha e torcendo, pra que na manhã
seguinte, faça aquele sol e todo mundo possa se encontrar no mesmo inferno
tropical...

Qualquer semelhança com a vida real, é uma mera coincidência..

Luis Fernando Veríssimo

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